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Uma das teses mais defendidas pelos historiadores e memorialistas do futebol é a de que, no Brasil, o velho esporte bretão teria sido a princípio uma modalidade circunscrita às elites, sendo posteriormente apreendida de muitas formas pelas camadas populares.
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Sem ser um especialista no tema, essa assertiva sempre me pareceu estranha. Tendo em conta o que houve com outras modalidades, sempre me pareceu mais plausível pensar em várias vias de desenvolvimento: na mesma medida em que são multifatoriais as razões para que o futebol rapidamente se espraiasse pelas cidades, múltiplos e simultâneos teriam sido os seus locais de origem.
De qualquer forma, é altamente reconhecida a importância do meio fábril para a popularização do futebol: paulatinamente, na prática e no imaginário, as fábricas passaram a ser consideradas verdadeiros “celeiros de craques”.
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Uma das mais conhecidas relações entre uma empresa fabril e um clube de futebol é a que se estabeleceu entre a Fábrica Bangu, inaugurada em 1893, e o Bangu Athlétic Club, criado em 1904.
O futebol e o cricket começaram a ser praticados por influência dos diretores da Fábrica. Por motivos diversos, logo os funcionários também com as modalidades estavam envolvidos. Tais encontros geraram novidades, como a presença de jogadores negros em uma época em que isso ainda era encarado com estranheza.
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Outra importante Fábrica ao redor da qual se organizou um clube esportivo foi a Cruzeiro, fundada em 1895, localizada no bairro do Andaraí. Criado em 1909, o Andaraí Esporte clube foi um dos mais ativos dos primórdios do futebol carioca. Sua equipe também era marcada pela presença de indivíduos das camadas populares.
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Era mesmo comum que ao redor das fábricas se constituíssem agremiações recreativas, muitas tendo o futebol como modalidade principal. Um exemplo é o Alliança Foot Ball Club, criado em 1910, por empregados da Fábrica Aliança. Fundada na década de 1880, no bairro de Laranjeiras, durante anos essa foi uma das maiores empresas texteis do país.
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No decorrer do tempo, tornou-se comum a realização de campeonatos de futebol entre os funcionários de diferentes fábricas ou setores de produção. Vejamos um belíssima foto de 1925, de jogadores da Liga Gráfica, disponível no incrível fotolog de Roberto Tumminelli (http://fotolog.terra.com.br/carioca_da_gema_2:294).
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Efetivamente essa é uma das facetas menos conhecida de nosso futebol brasileiro. O aprofundamento dos estudos sobre a participação de operários e membros das camadas populares certamente ajudará a entender melhor sua rápida difusão pela cidade e o fascínio que a prática ocasiona.
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Não devemos esquecer que um dos grandes nomes do futebol brasileiro e mundial começou sua trajetória em um time de fábrica: Garrincha, que trabalhou na Companhia America Fabril Fábrica Pau Grande.
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Nos anos 1990, tive a oportunidade de ser coordenador de lazer da empresa de eletrodomésticos Ponto Frio Bonzão. Entre minhas funções estava a de organizar campeonatos internos de futebol e a participação da equipe da empresa (a seleção Bonzão, treinada pelo querido amigo Gerônimo) na Copa Philco Hitachi, da qual nos sagramos tricampeões, o que nos deu a posse definitiva do troféu (a última conquista em uma final emocionante, uma vitória apertada de 1 x 0 contra a Arapuã).
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Quem está desenvolvendo uma bela investigação sobre os clubes ligados à Fábrica Bangú e à Fábrica Cruzeiro é o amigo Nei Santos Junior, que estou tendo o prazer de orientar no Programa de Pós-Graduação em História Comparada. Em breve teremos um belo trabalho na praça!
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Devido a motivos profissionais, ficaremos duas semanas sem atualização. Voltamos no dia 30 de outubro com o post “Leblon – um bairro esportivo”.
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